- Tenho de procurar um emprego. – Kim trincou a tosta mista e deu um gole no batido. Vendo a chuva cair e resvalar pelas vidraças da pastelaria.
- Pois tens. Não te vou pagar o apartamento. – Atirou de relance.
- Hey! Tem calma, também não quero que me pagues nada. Sou independente.
- És mesmo? – Comeu o bolo – Desde que aqui chegámos o teu telemóvel não pára de vibrar. – Apontou para o objecto que rodava em cima da mesa.
Kimberly rangeu os dentes e bufou irada. Os pais não desgrudavam de si. Começava a sentir-se intimidade e uma totó perante os novos amigos. Talvez… saloia.
- Não vais atender?
- Não sei. – Apoiou os cotovelos na mesa.
Pegou naquele pequeno objecto que ainda vibrava impacientemente à espera de ser atendido. Revirou os olhos ao ver “Mãe” escrito no visor. Será que nem agora que estava longe podia ter liberdade? Provavelmente hei-de ser velhinha e eles ainda me chateiam, resmungou para consigo própria.
- Que chatos! – A morena rabujou atirando o telemóvel para dentro da sua bolsa, ignorando completamente a chamada.
- Eu acho que já me tinha dado uma coisa, se tivesse uns pais assim. – Mia comentou enquanto bebia do seu galão.
- Acho que estou bem à beira disso. – Comeu o resto da tosta. – E a escola começa já depois de amanhã! – Exclamou aflita. Tinha de arranjar um trabalho o mais rápido possível. – Passa-me aí esse jornal. – Pediu apontando para a mesa vazia atrás da amiga.
A loira virou-se ligeiramente para trás e pegou no jornal, voltando a virar-se para a frente e entregando-o à mais nova.
- Por aqui é difícil arranjar trabalho, mas pode ser que tenhas sorte. – Falou enquanto a observava a abrir o jornal, procurando então as páginas de anúncios de empregos.
Kimberly tirou uma caneta vermelha da mala e levou-a à boca, deslizando o indicador pelos diferentes anúncios de emprego. Desenhava uma enorme bola em volta do que lhe interessava, até que parou, incapaz de conter um riso.
- O que foi? – Mia espreitou para onde a amiga apontava.
- Vou para stripper. – Gozou.
- Olha que não ganhas mal. – Disse, encostando-se por completo à cadeira.
A mais nova abanou a cabeça em tom negativo, sorrindo como sempre sorrira. Kim respirava liberdade e isso estava a agradar-lhe imenso.
Apontou os números de telefone na sua agenda, enquanto trincava e mastigava o seu pão torrado e deu um longo trago no batido, saboreando-o ao pormenor.
Ela podia cantar na rua, enquanto tocava na sua viola. Podia fazê-lo, mas tinha vergonha, medo de ser molhada e criticada por uma péssima voz ou baixa coordenação. Ela não o iria fazer. Queria cantar, mas não podia. Não queria ser gozada numa cidade onde não pertencia e que passara a ser – recentemente – o seu lar.
- O que é feito dos teus amigos? – Guardou o jornal na mala castanha e acabou de comer, segurando a palhinha entre os dedos. – Nunca mais apareceram… - Comentou em vão.
Mia riu. – Trabalho. – Massajou as têmporas. – O senhor Hans não os perdoa. – Gargalhou. – E depois têm a vidinha deles…
*
- Vou trabalhar. – Mia anunciou enquanto acabava de vestir o seu casaco e punha uma mala com a roupa que ia usar naquela noite ao ombro. – Encomenda pizza, ou algo assim para jantares. – Recomendou. Pegou nas suas chaves e saiu assim que recebeu um “Sim” como resposta, vindo de Kim.
Kimberly suspirou e levantou-se do sofá onde se encontrava a olhar a televisão apagada.
Dirigiu-se lentamente para a varanda da sala, agasalhando-se com o seu casaco e respirando o ar puro e fresco da noite.
Tossicou propositadamente para aclarar a voz e debruçou-se sobre o gradeamento. Aos poucos num timbre a princípio tímido e hesitante uma leve melodia começou a sair dos seus lábios.
“I'm tugging at my hair
I'm putting at my clothes
I'm trying to keep my cool
I know it shows
I'm staring at my feet
My cheeks are turning red
I'm searching for the words inside my head
I'm feeling nervous
Trying to be so perfect
Cause I know you're worth it
You're worth it
Yeah
If I could say what I want to say
I'd say I want to blow you away
Be with you every night
Am I squeezing you too tight?
If I could say what I want to see…”
De repente, um barulho estranho vindo do lado de fora da porta do apartamento, fez com que ela interrompesse de imediato a sua cantoria e olhasse rapidamente para dentro da sala; começou a ficar assustada.
O seu ritmo cardíaco acelerou e adrenalina percorreu-lhe o sangue de imediato. Respirou sofregamente e avançou, receosa, até ao interior do apartamento. Agarrou na jarra que estava na estante e, foi para a porta, abrindo a porta rapidamente e lançando a jarra para o vulto.
Kim apenas teve tempo de ver um enorme braço tapar o rosto do desconhecido, e, o mesmo a recuar.
Os vidros brancos estilhaçaram no chão, acompanhados por pequenos fragmentos quentes e salgados do sangue do individuo.
- Oh não! – Ela levou as mãos à boca ao ver quem se tratava e, um misto de ferrugem, quente e escorregadio tocou nos seus lábios. Desviou as suas mãos e pode ver que também sangrava. – Eu… Desculpa! – Lançou-se para o rapaz, que continuava meio zonzo e incrédulo com aquela recepção. – Entra! – Puxou-o para dentro de casa e fechou a porta, com cuidado para não esmagar os vidros com os pés.
Encaminhou Tom para o sofá e sentou-o, ajudando-o a despir o casaco.
- Eu nem sei como isto aconteceu. – Tirou a viola do de tranças dos seus pés e pousou-a na mesa. – Foi sem querer… - Tentava tocar-lhe, mas não sabia o que fazer, ele parecia calmo. Calmo de mais. E pior, não se pronunciava, simplesmente agia. – Não tinha intenção em magoar-te. Pensava que era algum ladrão.
E, foi então que Tom gargalhou roucamente, gemendo logo de seguir. Atirou o casaco para o braço do sofá e mirou o seu cotovelo e antebraço, mais magoado.
- Vou buscar a mala de primeiros socorros. – Levou a mão à boca, comprimindo o seu sangue.